Copyright como alternativa ao desenho industrial

Por Rudinei Modezejewski

Artigo publicado na revista EM+11

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Rudinei Modezejewski é consultor em propriedade intelectual, especialista em marcas e direito autoral, fundador da E-Marcas Serviços em Propriedade Intelectual SS Ltda e da startup Avctoris

Um produto sem embalagem é tratado como commodity, ou seja, como um produto que não é diferenciado de acordo com quem o produziu, origem, qualidade etc. Commodities têm seu preço determinado apenas pela oferta e pela procura, ou seja, sua valorização está nas mãos do mercado, e não de quem produz. Portanto, não estão sujeitas à influência do marketing, não se valorizam pelo investimento em publicidade ou em outras ações de comunicação.

Esse fato determina muito claramente o valor (intangível, mas aferível) das embalagens, das marcas e do marketing envolvido, do planejamento, da pesquisa, dos profissionais e do universo que gira no entorno de um produto. Se as embalagens não fossem determinantes no ponto de venda, por que alguém perderia tempo estudando sua percepção pelos consumidores, seus formatos, cores e outras tantas características? Também não haveria brigas judiciais pelo plágio de embalagens, displays e logotipos. Quem se importaria?

Pois bem, em muitos segmentos a embalagem (isso inclui os rótulos) é fator decisivo na compra. Pelo menos na primeira compra – a continuidade (taxa de retenção) dependerá de vários fatores, inclusive a qualidade do produto e do pós-venda. Mas é inegável o quão decisivo é o design da embalagem na compra inicial (entrada). Esse fator é tão importante que, durante meus 21 anos de experiência com propriedade intelectual, tenho visto muito plágio de embalagens. Posso destacar (pessoalmente) os segmentos de sorvetes e cosméticos em geral. Mas certamente há outros. Objeto de tanto investimento, tanto esforço e alvo de tanta cobiça, esse ativo empresarial em geral é mal protegido, ou simplesmente fica desprotegido, seja por desconhecimento das ferramentas adequadas, seja por uso das ferramentas erradas.

No mundo, em especial na Europa (mais especificamente na França e na Itália) é intenso o uso do Direito Autoral para proteção de embalagens e rótulos *(também de design de produtos). No Brasil há uma vertente que afirma que a única forma de proteger um “design” de produto, embalagem ou rótulo é através de um tipo de patente chamado DI – Desenho Industrial. Porém, há outra corrente, alinhada com a visão francesa, que afirma que essa proteção pode ser feita via Direito Autoral, uma forma mais simples, mais abrangente, mais eficiente e muito mais barata de proteção.

Há cerca de dez anos venho defendendo essa segunda “tese” e, aos poucos, ela tem ganhado força, tendo se CONSOLIDADO recentemente em uma decisão em SEGUNDA INSTÂNCIA a favor de uma grife francesa. Essa grife ganhou um processo judicial contra uma empresa brasileira que, na sua defesa, argumentou que a grife francesa não tinha “Desenho Industrial” (patente) do design de sua bolsa no Brasil – e com isso sentiu-se à vontade para colocar produto similar no mercado.

Mas o que é “design”, afinal? O dicionário define que “[o] design, desenho industrial ou projetismo é a idealização, criação, desenvolvimento, configuração, concepção, elaboração e especificação de produtos, normalmente produzidos industrialmente ou por meio de sistema de produção em série que demanda padronização dos componentes e desenho normalizado. Essa é uma atividade estratégica, técnica e criativa, normalmente orientada por uma intenção ou objetivo, ou para a solução de um problema. Exemplos de coisas que se podem projetar incluem muitos tipos de objetos, como utensílios domésticos, vestimentas, máquinas, ambientes, serviços, marcas e também imagens, como em peças gráficas, famílias de letras (tipografia), livros e interfaces digitais de softwares ou de páginas da internet, entre outros.”

Grifei alguns itens para deixar minhas ideias mais claras. Vejamos. Quando alguém copia uma imagem, como chamamos esse crime? PLÁGIO! E quando alguém copia uma embalagem, um rótulo ou um display? PLÁGIO!

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Mas o plágio se aplica ao direito autoral, não às patentes. Por outro lado, a tradução literal de “design” é desenho. Isso, por si só, já deveria ser suficiente para acabar com as dúvidas sobre qual a melhor forma de proteger o design de qualquer coisa. Ou seja, a lógica deveria bastar. Mas vou apresentar motivos práticos e objetivos, argumentos simples e racionais, para que você entenda por que deve proteger seus “designs” como direito autoral (copyright).

  1. ABRANGÊNCIA – O Desenho Industrial é válido somente no país em que é registrado. Você pode registrá-lo em vários países, mas os registros são individuais, feitos em cada país separadamente.
    O Direito Autoral é automaticamente válido nos 173 países que são signatários da Convenção de Berna, um tratado internacional que regulamenta o Direito Autoral nesses países. As leis locais têm que ser coerentes com a Convenção de Berna, portanto – o que é válido em um país-membro é válido em todos eles.
  2. PRAZO – O DI é válido por quinze anos, e pode ser prorrogado por dois períodos de cinco anos. Portanto, sua validade é de 25 anos, no máximo.
    O Copyright vale por toda vida do autor e, a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à sua morte, vale por um período que varia em cada país, mas é de, no mínimo 50 anos, e no máximo 100 anos. No Brasil esse período é de 70 anos.
  3. CUSTO – O Desenho Industrial é um tipo de patente, portanto depende de um relatório técnico, enormes formalidades e imensa burocracia. Dessa forma, seu custo médio é de R$ 1.500,00 (os valores variam de acordo com a capacidade técnica, a disponibilidade e a reputação de quem faz o serviço). Em geral são os escritórios de propriedade intelectual que fazem esse trabalho, tanto no Brasil quanto no exterior, e vale lembrar que, para proteger o DI fora do Brasil, é necessário registrá-lo em cada país do seu interesse, separadamente. O Direito Autoral agora pode ser protegido até de forma online – é o serviço, por exemplo, prestado pela empresa Avctoris, que faz esse registro de forma bastante simples e por menos de vinte reais, com validade nos 173 países membros da Convenção de Berna.

No fim das contas, está prevalecendo a teoria da sobreposição (ou acúmulo) de direitos, mesmo que parcial. Então, há países que reconhecem totalmente essa duplicidade de proteção, enquanto outros a reconhecem parcialmente – em alguns poucos casos, ainda se considera que são direitos independentes e que não se misturam.

Mas como saber se isso tudo faz realmente sentido? Afinal, quem garante que em um litígio, uma disputa judicial sobre um design de embalagem, o copyright será mesmo aceito?

Na França, a “teoria da unidade da arte” é reconhecida legalmente desde 1909. Na Comunidade Européia, em 1998 houve o reconhecimento da cumulação da proteção, ficando a cargo dos países membros definir a extensão dessa cumulatividade. E, no Brasil, há a decisão recente do TJ/SP a favor da grife francesa Hermès. Em minha opinião, a tendência é que essa teoria se consolide cada vez mais e, em especial nos países onde prevalece a escola francesa de Direito de Autor.

Nos Estados Unidos há um entendimento muito mais pragmático, focado nos direitos patrimoniais. Mas mesmo lá houve uma profunda flexibilização do “Copyright”, que fez os EUA aderirem à Convenção de Berna – ao que se comenta, fruto de um lobby da Disney para proteger seu amado Mickey e os bilhões de dólares que ele traz em faturamento (e os milhares de empregos que cria) para a terra do Tio Sam.

Então, esse é o momento certo para pensar nessa opção. Mesmo que sua empresa tenha condições técnicas e financeiras de fazer a proteção pelo Desenho Industrial (DI), a opção de proteger suas embalagens também pelo Direito Autoral é uma alternativa válida, econômica e estratégica.

Afinal, se você tiver um problema de plágio nos países que já reconhecem a validade do Direito Autoral, a proteção será extremamente útil e poderá trazer enormes benefícios financeiros e legais. E, se considerarmos que muitos países estão gradualmente aderindo a essa sobreposição de direitos, seu investimento na proteção de direitos autorais forma uma carteira de ativos em propriedade intelectual que pode se valorizar por décadas.

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