Para não perder o controle

O que você vê é o que você terá: What You See Is What You Get ou como diminuir a frustração entre prova contratual e resultado final impresso

Por Aislan Baer *

Uma das maiores “dores” que convertedores de embalagens e rótulos e seus clientes (os donos das marcas) vivenciam cotidianamente diz respeito à expectativa de resultados entre as provas contratuais aprovadas (digitais ou analógicas) versus os impressos da vida real.

Ailsan Baer é CEO da ProjetoPack & Associados – Empresa de Consultoria, Treinamento e Projetos em Embalagens Flexíveis, Rótulos e Tecnologias de Impressão; diretor técnico adjunto da ABTG, especialista em flexografia e editor da ProjetoPack em Revista

Aislan Baer é CEO da ProjetoPack & Associados – Empresa de Consultoria, Treinamento e Projetos em Embalagens Flexíveis, Rótulos e Tecnologias de Impressão; diretor técnico adjunto da ABTG, especialista em flexografia e editor da ProjetoPack em Revista

Via de regra e, com maior frequência, no segmento de flexografia, as provas contratuais apresentam melhores resultados visuais do que as referidas cópias impressas.

Este problema de gerenciamento e alinhamento dos resultados entre simulações e produção, bem como entre diferentes fornecedores, levou, por exemplo, ao desenvolvimento de soluções de software em gerenciamento de cores e, mais tardiamente, ao surgimento de empresas de pré-mídia e gestão de marca que, num espaço relativamente curto de tempo, ganharam notoriedade e passaram a ocupar o hiato de comunicação existente entre donos de marcas, impressores e as próprias clicherias e gravadores de cilindros de rotogravura.

Empresas como Schawk, SGS, Trident e outras tantas de menor expressão fazem as vezes do cliente e definem os parâmetros técnicos da aprovação, acompanham o processo nos fornecedores de impressão, qualificam os referidos fornecedores e produtores das fôrmas de impressão (clichês ou cilindros); também ajustam o design para uma melhor reprodutibilidade – muitas vezes sobrepondo-se ao próprio papel central de agências e estúdios de criação.

O fato é que esta frustração comum dos donos das marcas ao receberem provas maravilhosas e impressos nem sempre animadores é fruto de um conjunto de pequenas coisas que, devidamente observadas, poderiam ser sumariamente evitadas – ocasionando menos estresse entre as partes, maior agilidade no desenvolvimento de novos produtos e, o principal, menores custos a toda a cadeia produtiva.

Nas próximas linhas, de forma despretensiosa e, na medida do possível, a mais pragmática quanto nos for possível, vamos percorrer estes pontos críticos de controle.

 

Nem melhor, nem pior: igual

O primeiro erro crasso em pré-impressão é querer fazer uma prova “melhor” do que a referência do cliente. Quando o tema é prova contratual, não há melhor ou pior: o objetivo é ser fiel em relação à qualidade de saída, o impresso. O que aos olhos do convertedor é “mais bonito” não necessariamente será aos olhos do dono da marca, tampouco ao designer que criou a arte original.

E aí começam as primeiras grandes lacunas técnicas do setor de embalagens brasileiro. Como uma prova, afinal, pode ser considerada mais ou menos fiel em relação ao original? E o impresso, com respeito à prova?

Fidelidade é um conjunto de atributos que podem ser mensurados. E boa parte das indústrias gráficas e convertedoras no Brasil mede nada ou bem pouca coisa. Uma olhadela nos chamados “boletins de inspeção da qualidade” vai encontrar mensurações de atributos como força de selagem, solvente residual (cromatografia), coeficiente de deslizamento (C.O.F.) estático e dinâmico etc.; quando, no entanto, os atributos de mensuração estão ligados a, por exemplo, cores e aspecto visual do impresso – na esmagadora maioria das vezes – o inspetor sinaliza com um genérico “OK” ou “NC” (de Não-Conforme).

Poucas são as empresas que traduzem fidelidade em relação a um padrão em medições objetivas como contraste, densidade, ΔE (variação de cor), ganho de pontos, precisão de registro, balanço de grises e por aí vai. A máxima de que “quem não mede, não controla” é a mais pura verdade quando se quer reproduzir um original, em qualquer processo de impressão existente.

Existe um acrônimo em pré-impressão (que dá nome ao subtítulo deste artigo) chamado: WYSIWYG (do inglês What You See Is What You Get, algo como “O que você vê é o que você terá”). Este é um ideal a ser seguido e, mesmo a despeito das variações intrínsecas dos processos gráficos, implica numa cultura de controle, monitoramento e fidelidade na reprodução.

 

Suporte da prova x suporte final

Outro erro corriqueiro é aprovar certos padrões ou cartelas (principalmente as originadas em máquinas de prelo de rotogravura ou flexografia) em certos substratos e produzir em materiais diferentes. O resultado pode ser aviltante, como aprovar padrões impressos sobre um filme de polietileno e produzir num filme de PET ou BOPP – materiais com características de brilho, transparência e printabilidade absolutamente diferentes – ou, em casos mais sutis, aprovar em “simulações de estruturas laminadas” e esperar por um resultado idêntico no processo normal de produção.

Explico: muitas das embalagens são impressas em rotogravura ou flexografia sobre filmes transparentes ou semitransparentes e acopladas a outras películas metalizadas (por laminação com adesivos ou por laminação por extrusão). Há, no processo de laminação, um escurecimento natural das cores (com um leve acinzentamento) em função da somatória do valor tonal das tintas semitransparentes, do adesivo (em grau ínfimo) e do material metalizado do forro.

O efeito é ainda pior quando há, ao invés da laminação sobre materiais metalizados, um processo de metalização sobre as tintas (neste caso, há escurecimento e, em muitos casos, um amarelamento geral das cores – fruto de falhas na aplicação de vernizes de proteção à metalização e da degradação dos pigmentos e resinas das tintas, quando expostos à elevada caloria do processo de metalização sublimático tradicional).

A influência do suporte nas cores impressas também é significativa em provas contratuais impressas digitalmente versus os impressos nos processos analógicos tradicionais como a rotogravura ou a flexografia. Isso porque as provas digitais usam como suporte, em sua maioria, papéis revestidos especiais, enquanto os impressos são eminentemente ancorados em filmes plásticos ou mesmo papéis de base diferente.

As dificuldades em linearizar estes resultados entre provas digitais e impressos analógicos movimenta alguns bilhões de dólares anualmente no aperfeiçoamento de softwares para o gerenciamento das cores, criação de perfis colorimétricos, impressão de catálogos ou referências de cores em papéis e filmes e, não menos importante, no desenvolvimento de provas digitais que imprimam cada vez com mais assertividade e competitividade de custos os materiais fílmicos (a exemplo da Roland e sua prova Versa UV).

 

Variabilidade do processo: alinhando expectativas

Talvez o maior desastre no diálogo entre o dono da marca e seu fornecedor-impressor diga respeito às tolerâncias na aprovação.

Não existe processo sem variação. Mesmo os totalmente automatizados sofrem influências que desviam a qualidade, de forma mais ou menos estável, para cima ou para baixo do parâmetro-alvo. Isso é tão verdade que, se olharmos para o tal boletim de inspeção citado alguns parágrafos antes, veremos que, por exemplo, o coeficiente de deslizamento de um filme ou material de embalagem possui sempre um valor nominal e um range mínimo de variação aceitável.

Outros parâmetros como o número de emendas em uma bobina podem ser especificados pelo cliente como “no máximo duas emendas por bobina” e conjugados a um número máximo aceito em um dado lote. Quase sempre, as referências de amostragem são baseadas na norma brasileira 5426 (Planos de amostragem e inspeção por atributos).

O problema é que, quando o atributo é a tal fidelidade do impresso em relação à cartela ou amostra aprovada pelo cliente, a tolerância é zero. Raros convertedores produzem cartelas com variação (nominal, mínimo e máximo); desta parcela pequena, boa parte produz erroneamente (questões metodológicas de que falaremos a seguir) e a maioria esmagadora dos clientes sequer aceita uma cartela diferente do “nominal”.

Fica aquela coisa de “finge que me engana, que eu finjo que acredito”. Cilindros entopem, clichês se desgastam, tintas variam a sua viscosidade e os substratos têm flutuações no quesito printabilidade, ao longo de uma bobina e de uma bobina para outra. Isso significa que é impossível manter o padrão nominal ao longo de uma produção, sem considerar minimamente pequenas flutuações. Assumir uma cartela de aprovação sem notificar e acordar com o cliente que, também para o atributo “qualidade de impressão” há de se especificar tolerâncias, é dar margem para o engodo. O jeitinho brasileiro se encarrega de levar ao cliente amostras escolhidas a dedo, “encapar” as bobinas de um palete com alguns metros da bobina que apresente o resultado mais próximo em relação ao padrão aprovado (o que se convencionou chamar de “remontar” bobinas) e toda a sorte de macetes eticamente questionáveis que o dono da marca sabe mas faz vista grossa.

Tão mais fácil seria agir com a tecnicidade necessária e estabelecer parâmetros e tolerâncias objetivas de aprovação dos impressos, não?

Ainda discorrendo sobre o fatídico tema das cartelas, há uma certa falta de metodologia também na execução dos padrões máximo e mínimo. Quer seja em rotogravura, quer em flexografia, o principal modus operandi para criar estas variações é, no início ou término de produção, diluir as tintas ou reforçá-las (colocando tinta nova com maior concentração e viscosidade ou, no caso da flexografia especialmente, substituindo os cilindros anilox por outros de menor e maior capacidade volumétrica).

Variar a intensidade e a cobertura das tintas é apenas um aspecto de variação que se pode encontrar em um lote e que diz respeito à qualidade da impressão. Apenas para pontuar um exemplo, na flexografia os clichês e as fitas adesivas dupla-face responsáveis pela sua fixação e alívio da pressão de impressão desgastam-se ao longo de uma tiragem. O seu desgaste modifica atributos diretamente relacionados com a qualidade da reprodução e fidelidade para o original – o ganho de pontos, por exemplo, aumenta drasticamente nas áreas de meio tom.

Isso significa que aquele pacote de biscoito com uma linda e apetitosa fotografia do produto caindo num copo de leite branco feito neve vai, gradualmente, escurecer e perder nitidez, contraste e shelf appeal. Até um ponto em que seja necessário parar para efetuar novos ajustes, substituir chapas e cilindros ou, o mais comum, que o lote (cada vez menor) termine.

Em suma, é importante que os padrões de aprovação contemplem as grandes variações nos atributos principais de qualidade da reprodução ou que, pelo menos, o cliente esteja ciente e de acordo com as tais variações. Convertedores torcerão o nariz para este parágrafo. Depois de dezessete anos fazendo consultoria às indústrias de conversão e impressão no Brasil e no exterior, já estou mais do que acostumado. É o típico caso da estória infantil do alfaiate que teceu a nova roupa do imperador que “só os inteligentes podiam ver”. Na verdade, era só um belo engodo e precisou vir uma criança inocente a apontar que o imperador estava nu para desencadear uma bela balbúrdia. No caso da indústria de embalagens e impressão, só está faltando a criança cagoeta.

Nesse imbróglio também tem o fato de que aprovação em máquina é um dos custos mais elevados que se pode ter numa operação de impressão. Hora produtiva e cara sendo utilizada para fazer prova. É por este motivo que a pressão de custos acelera o processo e pressiona impressores, coloristas e supervisores a fazer o mais rápido possível a fim de liberar o equipamento. As provas digitais cresceram por conta, dentre outros fatores, da desoneração do tempo produtivo das impressoras analógicas. O que pouca gente sabe é que um bom trabalho de gerenciamento de cores pode criar provas digitais não só alinhadas com o resultado final, mas produzindo simulações também assertivas das variações de um lote.

 

O eterno abismo entre design e produção

O último e mais difícil paradigma que o setor precisa vencer é o abismo entre os criadores dos originais – os designers – e os reprodutores dos mesmos, os impressores. Cada um faz certa questão de não querer se envolver ou mesmo despreza a relevância do outro no contexto geral do projeto. O impressor estigmatiza o designer como um absoluto leigo no processo gráfico e, no caminho contrário, o designer categoriza o impressor como um preguiçoso, picareta e cheio de má vontade.

Para colocar as coisas de forma clara e objetiva: quem cria originais deve ter sim um conhecimento abrangente das limitações do processo que os reproduzirá. Criar para flexografia é diferente de rotogravura, offset e assim sucessivamente. É preciso, por exemplo, saber que determinados degradês que em offset serão produzidos precisamente como a imagem original, em flexografia sofrerão um deslocamento das mínimas (ao invés de iniciar em 0,5% da offset, podem acabar partindo de 5% ou 6%), com o objetivo de preservar os pontos na chapa, mesmo sob a ação da pressão de impressão, velocidade de degradação química da mesma. Cada processo tem suas limitações ou mesmo vantagens específicas que devem ser consideradas no design. Só para pontuar um último exemplo, cada processo de impressão atinge determinadas lineaturas, reproduz diferentes pontos mínimos, aufere certas densidades nos sólidos e mantém a legibilidade de textos positivos e negativos de certas fontes, com ou sem serifas, de tamanhos também variados.

Em contrapartida, o impressor deve ter noções claras sobre conceitos e estruturas de design como legibilidade, contraste e tipografia, de forma a tomar decisões mais acuradas sobre o que é ou não aceitável em termos de reprodução.

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