Cumplicidade autodestrutiva

Por Antoninho Marmo Trevisan*

Um competente executivo que conheço foi enviado por sua empresa a um país asiático, com a missão de estudar a possibilidade de passar a fabricar lá um dos itens de sua linha de produtos industriais. Na capital, foi recebido com pompa e mordomia pelo candidato a fornecedor, com direito a hotel seis estrelas, restaurantes gourmet, passeios turísticos e carro de luxo com motorista à disposição 24 horas.

Na programação intensa, interrompida apenas para explanações sobre o baixíssimo custo da produção e as facilidades da exportação ao Brasil, o profissional sentiu acentuada resistência à sua solicitação de conhecer a fábrica. Porém, ante sua insistência, acabou sendo atendido. Tudo muito diferente do que conhecia em nosso país e em outras nações. Dentre outros detalhes que lhe causaram negativa surpresa, estava o fato de os operários fazerem suas refeições na própria linha de montagem, intercalando mastigação e colocação de parafusos. No lado externo, a fumaça densa e negra denunciava a irresponsabilidade ambiental. O executivo voltou ao Brasil e recomendou que sua empresa não terceirizasse a produção com a fábrica asiática…

Essa história merece reflexão: será que vale a pena a prática, adotada por crescente número de empresas brasileiras e de outros países, de produzir bens de consumo ou comprar insumos em nações cujos diferenciais competitivos são a poluição ambiental e salários e condições de trabalho que resvalam na indignidade? Não bastasse a questão ética, há uma razão matemática importante a ser considerada: até que ponto as economias da Europa, Estados Unidos, Japão, Brasil e demais emergentes resistirão à desindustrialização?

Há um limite para o remanejamento de trabalhadores da indústria para outros setores de atividade. A partir daí, o desemprego cresce e a recessão ameaça. Não tardará para que os produtos fabricados com custo mais baixo na Ásia não tenham mais consumidores no Ocidente e no Japão. Em certa medida, já é o que acontece nos Estados Unidos, onde, na alta prosperidade da Era Clinton, nos anos 90, transferiu-se numerosa parcela da produção industrial para outros países. Não seria esta uma das presentes dificuldades de os norte-americanos vencerem a crise mundial desencadeada em 2008? Barack Obama parece achar que sim…

É óbvio que o “custo Brasil”, nossa burocracia, a propalada insegurança jurídica e deficiências de infraestrutura reduzem a competitividade da indústria. Porém, é prudente perguntar se entre as causas da desindustrialização em curso no País não se inclui a exagerada e espontânea procura de nossas empresas pelos fornecedores baratos de algumas nações asiáticas, numa cumplicidade autodestrutiva.

É legítimo buscar o menor custo. É a lógica do capitalismo. No entanto, se matarmos o mercado pelo alto desemprego industrial, não haverá mais lucro, pois faltarão compradores. Assim, outro conceito capitalista deve ser considerado: o ganho em escala, com crescimento sustentado da produção. Por isso, ao mesmo tempo em que se recorre ao governo para pedir, com justiça e pertinência, desoneração da folha de pagamentos, reduções tributárias, menos juros e proteção alfandegária, também é preciso adotar atitude em favor da economia brasileira. Cada produto final ou insumo comprado em países que concorrem sem ética no comércio exterior conspira contra a sobrevivência da indústria nacional.

Em tempo: o executivo personagem deste artigo foi promovido e sua indústria continua produzindo no Brasil!

*Antoninho Marmo Trevisan é o presidente da Trevisan Escola de Negócios, membro do Conselho Superior do MBC (Movimento Brasil Competitivo) e do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República)

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